O sol despontava entre os prédios da orla de Copacabana quando Wagner Cavalieri abriu os olhos. A brisa matinal trazia o cheiro salgado do mar e o som das ondas quebrando suavemente contra a areia. O apartamento ainda estava repleto de caixas — a mudança tinha sido recente —, mas já começava a ganhar forma. Quadros encostados nas paredes, livros empilhados no chão, e no canto da sala, Vivian preparava café enquanto cantarolava algo de Elis Regina.
Wagner apareceu na cozinha ainda com o cabelo bagunçado e a expressão de quem havia dormido pouco, mas com um sorriso nos lábios.
— Bom dia, minha repórter favorita. — Ele a abraçou por trás, beijando seu ombro nu.
— Bom dia, meu jornalista investigativo preferido — respondeu ela com um sorriso doce. — Dormiu bem?
— Na medida do possível. Tô com a cabeça fervendo desde ontem. Recebi uma ligação anônima sobre um comerciante morto na zona norte. Terceiro caso em menos de uma semana.
Vivian se virou, preocupada.
— Isso tá ficando sério, Wagner. Você acha que tem relação?
— Eu tenho quase certeza. A polícia diz que foi assalto. Mas é o mesmo padrão: comerciantes independentes, todos com denúncias antigas de extorsão. Tem coisa por trás.
Ela assentiu, pensativa.
— Toma cuidado. Você sabe como é o Rio...
Wagner pegou sua mochila e saiu cedo. O calor já começava a castigar as ruas da cidade. O primeiro destino era o bairro de Madureira. Um pequeno comércio havia sido incendiado três dias antes. O dono, um senhor chamado Donizete Alves, foi encontrado morto nos fundos, carbonizado.
Wagner falava com uma vizinha quando o filho da vítima apareceu, um rapaz de cerca de 20 anos, com os olhos fundos e a expressão endurecida.
— Você é da imprensa? — perguntou.
— Sou jornalista investigativo. Wagner Cavalieri, do Jornal Global. Não vim explorar sua dor, só quero saber a verdade sobre o que aconteceu com seu pai.
O rapaz o encarou por longos segundos antes de dar um leve aceno.
— Me segue.
Entraram em uma casa simples. O rapaz mostrou um caderno velho, com anotações do pai. Havia registros de cobranças semanais, valores pagos, datas, nomes abreviados. Tudo indicava que Donizete vinha sendo extorquido há meses.
— Ele tentou denunciar?
— Tentou. Uma vez. Um delegado amigo nosso avisou que era melhor parar. Que isso vinha de cima.
Wagner fotografou tudo. Quando se despediu, o garoto olhou para ele com seriedade.
— Eles vão atrás de você se publicar isso. Eles não perdoam.
Wagner saiu dali com um frio na espinha. O padrão era claro, e agora ele tinha provas. Mas faltava a ligação política — o elo entre os criminosos e o poder.
Na redação do Jornal Global, Wagner sentou à sua mesa, cercado de jornalistas digitando apressadamente, telefones tocando, televisões transmitindo notícias 24 horas. Vivian surgiu ao fundo, com uma pasta de relatórios.
— Preciso te mostrar uma coisa — disse ela, sentando-se ao lado dele.
Abriu a pasta: eram cópias de contratos públicos e emendas parlamentares destinadas a ONGs fantasmas na Zona Norte.
— Dinheiro público sendo desviado para organizações que... coincidentemente... atuam nas mesmas áreas dos comerciantes mortos.
Wagner franziu a testa.
— Você está me dizendo que...
— Que essa grupo criminoso está sendo financiada com dinheiro do povo. E mais: tem políticos grandes metidos nisso. Um deles é o senador Aníbal Costa. Um dos nomes apareceu no diário do pai do garoto.
Wagner passou a mão pelo rosto, inquieto.
— Isso é muito maior do que eu imaginei...
À noite, em casa, enquanto Vivian cortava legumes para o jantar, Wagner observava a cidade pela janela. As luzes dos postes se espalhavam como veias de ouro pelas ruas, mas ele só conseguia enxergar a escuridão que corria por baixo delas.
— Amor... — disse ele, virando-se. — Isso pode ser a matéria da minha vida. Mas também pode ser perigoso demais.
— Eu sei — respondeu Vivian, parando de cortar os legumes e encarando-o. — Mas você é o tipo de homem que não se cala. Foi por isso que me apaixonei por você. Se for pra enfrentar o mundo, vamos juntos.
Wagner a abraçou com força. Ali, no calor do apartamento simples, eles se sentiam invencíveis.
Mal sabiam que os olhos que os vigiavam pelas sombras da cidade estavam cada vez mais atentos. E que, ao seguir o rastro da verdade, estavam se aproximando de uma escuridão que mudaria suas vidas para sempre.

0 Comentários