Supremum - Ecos no Campus - T2/E2

 


O início do semestre trazia consigo aquela mistura de ansiedade e novidade. Os corredores do campus fervilhavam com estudantes carregando livros, tomando café às pressas, procurando salas e tentando, aos poucos, encontrar seu lugar naquele novo mundo.

Andrew, Paulo, Isadora e Camila ainda estavam se conhecendo melhor, unidos pela curiosidade e por algumas aulas em comum no curso de Direito. Havia uma energia boa entre eles, um tipo de conexão que não se explicava. Entre um trabalho e outro, já formavam um pequeno grupo que costumava se reunir na praça central ou na biblioteca da ala antiga.

Foi Paulo quem comentou primeiro.

— Vocês viram que aquele cara do segundo semestre sumiu? O... Thiago, acho. Estava envolvido com um projeto de neurociência na ala de pesquisa — disse, mexendo no celular.

— Achei que era só boato — respondeu Andrew, franzindo a testa. — Essas coisas correm fácil por aqui.

— Não é só ele — Camila comentou, baixando o tom de voz. — A enfermeira do meu estágio falou de mais dois que não aparecem nas aulas há dias. Um deles deixou tudo no quarto da república. Celular, mochila... tudo.

Isadora arregalou os olhos.

— E ninguém tá falando nada oficialmente?

— Não. A universidade só soltou uma nota dizendo que os alunos pediram afastamento por motivos pessoais — completou Paulo. — Mas ninguém consegue contato com eles. Nem com a família.

A conversa foi interrompida pelo sinal da próxima aula, mas a inquietação ficou. Nos dias seguintes, mais desaparecimentos discretos. Um aluno da biotecnologia, uma bolsista da engenharia química. Todos ligados de algum modo à mesma ala: o Bloco H.

Andrew começou a reparar. Às vezes, via viaturas entrando discretamente no campus à noite. Certa vez, achou ter ouvido gritos abafados quando passou perto da ala fechada do laboratório. Camila contou que um professor parecia mais nervoso do que o normal, e que murmurava algo sobre “estágios acelerados”.

Algo estava acontecendo. Eles não sabiam o quê — ainda.

Mas os sinais já estavam lá, e o Bloco H parecia esconder mais do que apenas pesquisa científica.

A tarde avançava morna, com o sol atravessando as janelas altas do prédio de Direito, pintando filetes dourados sobre as carteiras alinhadas. A sala estava cheia, e o professor falava com entusiasmo sobre a aplicação prática dos princípios constitucionais, gesticulando diante de um quadro repleto de anotações.

Andrew tentava se concentrar, mas sua mente vagava. A conversa dos últimos dias sobre os desaparecimentos ainda martelava em sua cabeça. Ele olhou de canto para Paulo, que fazia anotações rápidas com a caneta preta, rabiscando setas, frases soltas e perguntas no caderno. À esquerda deles, Isadora ouvia atentamente, os olhos fixos no professor, embora de tempos em tempos ela apertasse a caneta com força demais, como se estivesse tentando prender a atenção à força.

No intervalo da aula, enquanto alguns alunos se levantavam para pegar café ou esticar as pernas, Andrew se inclinou em direção a Paulo.

— Você falou com alguém mais sobre os desaparecimentos?

— Tentei puxar assunto com um cara da engenharia ontem — murmurou Paulo, de olho para ver se alguém escutava. — Ele desconversou na hora. Disse que não sabia de nada... mas ficou visivelmente nervoso.

— Estranho — completou Isadora, que também se aproximou. — Tem algo errado. E a universidade está abafando.

— A gente precisa saber o que rola naquele Bloco H.

— Aos poucos — respondeu Paulo. — Eu tenho acesso parcial ao sistema da biblioteca central e quero ver se encontro algo nos arquivos internos. Mas isso vai levar tempo.

Andrew assentiu, os olhos verdes semicerrados, atentos. Ele sentia. Algo naquele lugar pulsava errado, como uma presença que só ele parecia notar.

Enquanto isso, em outro ponto do campus, no prédio da Saúde, Camila caminhava pelos corredores brancos do segundo andar, indo para sua aula de Anatomia. Vestia o jaleco fechado até o pescoço, com o cabelo preso em um coque improvisado. Ela estava animada com a matéria — sempre fora apaixonada pelos detalhes do corpo humano.

A turma estava dividida em grupos para estudar peças anatômicas no laboratório. Camila se posicionou ao lado de uma colega, Ana Júlia, e começou a revisar estruturas musculares.

Foi então que viu.

Do outro lado do corredor de vidro, em um setor reservado aos professores e pesquisadores, dois homens passaram empurrando uma maca coberta por um lençol branco. Até aí, nada anormal. O problema era a pressa com que caminhavam… e o fato de que algo sob o lençol se movia. Agitado. Como se estivesse acordado. Ou lutando.

Camila franziu a testa, desviando discretamente o olhar da aula. Observou mais de perto.

Um dos homens — que parecia um técnico de laboratório — virou ligeiramente o rosto. Ela reconheceu: era o mesmo sujeito que vira semanas atrás numa palestra do projeto NEUROMAX. O outro, ela não conhecia. Alto, com feições duras, usava luvas cirúrgicas e um crachá pendurado por dentro do jaleco, escondido.

A maca entrou por uma porta lateral, que foi imediatamente trancada por dentro.

— Camila? Tá tudo bem? — Ana Júlia perguntou, notando o olhar vago da amiga.

— Vi... uma coisa estranha ali fora — murmurou, ainda sem conseguir desviar os olhos da porta.

— Você acha que era... alguém?

Camila hesitou. A essa altura, já não queria parecer paranoica. Mas havia aprendido a confiar no próprio instinto — e ele agora gritava.

— Acho que era um aluno. Mas estava coberto. Agitado. Eles não pareciam médicos normais.

Olhou para o relógio no canto do laboratório. Faltavam quinze minutos para o fim da aula. Assim que o tempo se esgotou, Camila saiu do laboratório, mas quando chegou ao corredor, não havia mais sinal da maca. Nenhuma movimentação. A porta lateral agora estava aberta, revelando apenas um depósito comum. Como se nada tivesse acontecido.

Mas ela sabia o que tinha visto.

Naquela noite, os quatro amigos se encontraram na praça central, perto do coreto. O céu já escurecia, pontuado por estrelas tímidas e nuvens tênues. Camila contou o que presenciou, sem floreios.

— Eles estavam levando alguém — disse. — E não pareciam nada preocupados com protocolos médicos.

Paulo franziu a testa.

— Eu acho que preciso acelerar a busca nos arquivos da biblioteca. Se esses desaparecimentos têm ligação com o NEUROMAX, não vai estar nos sistemas normais. Vai estar em pastas ocultas.

— E se a gente estiver exagerando? — Isadora perguntou, tensa. — Pode ser só um caso isolado, uma coincidência...

— Isadora, você mesma disse que as notas oficiais da reitoria são genéricas. E que você viu alunos sumindo do nada. — Andrew a olhou nos olhos. — Isso é real.

O silêncio caiu sobre o grupo. Só o som distante dos grilos preenchia a noite.

Andrew apertou os punhos. Ele sentia a pressão crescer dentro de si. Um tipo de urgência. Um chamado silencioso. Havia muito tempo que evitava usar suas habilidades — mas o instinto estava voltando. E ele sabia: algo estava por vir.

Camila olhou para o Bloco H ao longe, a torre escura contra o céu noturno. Em uma de suas janelas, uma luz piscou — e depois apagou completamente.

Do alto de um prédio vizinho, uma silhueta humana observava o grupo. Imóvel. Sem ser notada.

Esse mistério eles tinham que desvendar.

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