O semestre seguia a passos largos, e os dias eram preenchidos com livros, anotações, discussões acaloradas em sala de aula e cafés apressados nos intervalos. Mas nem só de estudos vivia o primeiro ano de faculdade. Quando surgiu uma rara oportunidade de folga, o grupo resolveu fazer algo diferente. Algo que os lembrasse que a vida era mais do que provas e mistérios não resolvidos nos corredores da universidade.
— Acampar? — Isadora arqueou uma sobrancelha. — Você, Paulo, no meio do mato?
— Ei! Eu gosto de natureza! Desde que tenha repelente, colchão inflável e sinal de celular. — ele riu.
— Vai ser bom pra todo mundo — Camila completou. — A gente precisa de uma pausa.
Andrew apenas sorriu. Ele sabia que seria mais do que uma simples pausa.
Horas depois, estavam os quatro cercados pela mata densa, o som de grilos e corujas preenchendo o ar. Haviam montado o acampamento próximo a um riacho de águas cristalinas, num lugar afastado o suficiente para que pudessem falar à vontade. Uma fogueira crepitava ao centro, lançando sombras dançantes nas árvores próximas. Cada um deles parecia mais leve, mais sorridente. Era como se a pressão da universidade tivesse ficado para trás, ao menos por uma noite.
— Isso me lembra quando a gente ia pra casa da sua avó, Andrew — disse Paulo, mexendo no chocolate para o s'more.
— Só que agora a gente tem que montar a barraca sozinho — Camila provocou, rindo.
Andrew riu junto, mas seu olhar vagou por alguns segundos para o céu estrelado. Era uma noite perfeita — e talvez a noite ideal para contar o que guardava há tanto tempo.
Paulo olhou para Andrew, e dessa vez não conteve a pergunta que já guardava fazia tempo.
— Mano… você nunca estuda como a gente. Eu e a Isa quebramos a cabeça por horas, e você só aparece no dia da prova e tira nota máxima. — Ele olhou de canto. — E não me diga que é sorte.
Camila riu, mas logo olhou para Andrew também, curiosa.
— Eu sempre achei que você tinha alguma coisa... diferente. Tipo uma memória perfeita ou algo assim.
Isadora, deitada com a cabeça no colo de Andrew, ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Você sempre me enrola quando pergunto. Mas agora estamos aqui, entre amigos. Fala a verdade.
Andrew suspirou e ficou em silêncio por alguns segundos. Depois, se levantou e caminhou alguns passos para longe da fogueira.
O crepitar da fogueira projetava uma aura dourada sobre seu rosto, mas havia algo a mais: uma tensão, um brilho discreto nos olhos, como se algo enorme estivesse prestes a acontecer.
— Eu quero mostrar algo a vocês. Porque vocês são os únicos em quem eu confio de verdade.
Ele caminhou até uma clareira logo adiante. A lua iluminava o espaço com uma luz prateada. As árvores ao redor balançavam suavemente com o vento, e o silêncio da floresta parecia suspenso por um instante, como se a natureza soubesse o que estava por vir.
— Fiquem onde estão. Só... observem.
Os três se entreolharam e se levantaram, caminhando até a beira da clareira. Andrew respirou fundo. Seus olhos brilharam em verde esmeralda. Em segundos, seus pés deixaram o chão — não com velocidade ou barulho, mas com uma leveza hipnotizante. Ele flutuou cerca de dois metros acima do solo, o corpo ereto, estável, como se estivesse se tornando parte do ar.
— Ele... tá voando... — murmurou Isadora, boquiaberta.
Camila arregalou os olhos. — Isso é real?
— Espera... tem mais — disse Paulo, num sussurro.
Então, com um movimento controlado da cabeça, Andrew abriu os olhos completamente — e deles saiu uma rajada de energia verde e concussiva, como um raio concentrado que cruzou o espaço até atingir uma grande pedra ao longe. A explosão foi contida, mas poderosa, fazendo o chão tremer levemente e espantando um bando de pássaros nas árvores.
O silêncio se fez.
Andrew pousou suavemente no chão, com os olhos voltando à coloração normal. Ele olhou para os amigos.
— Super força, visão telescópica, super velocidade, memória eidética, vigor sobre-humano, e... bom, isso. — apontou com a cabeça para a pedra destruída.
Camila estava com a mão no peito, tentando regular a respiração. Paulo se aproximou devagar.
— Isso... isso é coisa de outro mundo, cara. Você é tipo... um super-herói!
— Ainda não. Mas eu sei que um dia vou ter que ser. — Andrew respondeu com seriedade.
Isadora andou até ele, os olhos azuis ainda arregalados.
— Desde quando você é assim?
— Desde sempre, acho. Minha mãe sempre soube, e sempre me protegeu. Ela dizia que havia algo diferente em mim desde o nascimento. — Ele olhou para o céu. — Tem a ver com o acidente que matou meu pai… algo aconteceu naquela usina nuclear. E eu… nasci depois disso.
Camila finalmente se aproximou, ainda um pouco atordoada, mas com um brilho nos olhos.
— E agora? Vai... usar isso? Vai se esconder?
Andrew olhou para ela, depois para Paulo e Isadora.
— Eu não sei. Mas agora vocês sabem. E isso me alivia mais do que vocês podem imaginar.
Paulo deu um tapinha em seu ombro.
— Seja lá o que for isso, você não está sozinho.
— Nunca esteve. — completou Isadora, apertando a mão dele.
Camila sorriu. — E convenhamos... com poderes ou não, você continua devendo uma rodada de chocolate quente pra gente.
De repente, barulhos entre os arbustos chamaram a atenção do grupo. Lanternas e vozes. Guardas florestais faziam ronda por ali.
— Alguém viu a explosão? — cochichou Camila.
— Não deviam ter. Foi contido. Mas mesmo assim... — Andrew olhou para os outros. — Vamos voltar pro acampamento. E rápido.
De volta à fogueira, eles se sentaram e fingiram estar conversando normalmente, rindo baixo e assando marshmallows. Quando os guardas passaram por perto, apenas acenaram com a cabeça e seguiram caminho.
Mais tarde, dentro das barracas, o silêncio voltou. Mas era um silêncio diferente. Um silêncio de respeito, de laços fortalecidos, de um segredo que agora era partilhado.
Andrew olhou para o céu uma última vez antes de dormir. Ele sabia que tudo mudaria em breve. Que aquele era só o começo.
Mas agora... ele não estava mais sozinho.

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