Supremum - O Custo da Luz - T2/E19

 


O céu permanecia carregado, mas agora já não havia mais caos se espalhando — o mundo parecia suspenso no fio da respiração, prestes a exalar seu último fôlego. Os escombros da cidade ainda fumegavam. Prédios destruídos formavam sombras tortas. A fumaça negra subia como colunas fúnebres. Era o silêncio após o terremoto. A pausa antes do fim.

Mas o fim ainda não havia chegado.

Kira emergiu entre os destroços, segurando firme o corpo inconsciente de Leo Archanjo nos braços. Ela o havia trazido de volta do vazio. Ainda que ferido, ainda que devastado física e emocionalmente, ele lembrava. O vislumbre de humanidade em seus olhos antes de desmaiar provava isso.

Porém, ela não teve tempo para repousar.

Um estrondo metálico ecoou nas ruínas do complexo onde estivera aprisionado. Um vulto negro cruzou os corredores como uma lança viva. Kira mal teve tempo de erguer os olhos — Caio Ferraz, o último dos Arcanjos Caídos, irrompeu como um espectro de guerra.

A armadura dele estava em frangalhos, partes do metal derretidas, o rosto parcialmente visível sob a viseira trincada. Mas não havia hesitação nos movimentos — apenas programação. Um soldado sem alma, uma arma viva.

— "Caio... não," murmurou Kira, de pé, já pondo Leo no chão com cuidado.

Mas ele não ouvia. Ou não podia. Seus olhos vermelhos não piscavam. Seu punho reluzia com energia vibrante. A investida foi imediata, brutal.

Kira rolou para o lado, desviando do primeiro golpe que estilhaçou a parede atrás dela. A poeira cobriu os dois. Ela se ergueu com a lança que ainda carregava, arma que recuperara durante o resgate de Leo, e avançou. O choque das armas reverberou como trovão.

A luta era feroz, dançada, quase poética em sua violência. Caio golpeava como uma máquina — precisão, força, devastação. Kira desviava, contra-atacava, usava o ambiente, cada centímetro da estrutura em ruínas ao seu favor.

— “Você não é isso, Caio!” — gritou ela, enquanto saltava sobre um pilar quebrado, tentando inutilizar o braço dele com um golpe na articulação.

Ele rugiu como um animal preso.

A resposta veio com um chute que a lançou contra o chão, rachando o concreto. A armadura de Caio se iluminou. Ele carregava um núcleo de energia instável, pulsando em vermelho no peito — prestes a explodir.

— “Ele não vai parar!” — falou Kira pra si mesma.

O ar tremia ao redor. Kira tentou erguer-se, os braços trêmulos.

Foi quando Leo abriu os olhos. Fracos, lentos... mas vivos.

Ele olhou para a cena e entendeu.

— “Kira... corra.”

— “Não! Você não pode nem ficar de pé!”

Leo se ergueu cambaleante, sangue escorrendo pelo queixo. Partes da armadura caíam como cascas queimadas. Mas seus olhos, mesmo com a dor, estavam cheios de clareza.

— “Ele era meu irmão. Era meu dever... meu erro. Me deixa consertar isso.”

Caio rugiu, preparando o ataque final. Uma esfera de energia vermelha começou a se formar em suas mãos — instável, destrutiva.

Leo correu. Um último impulso. Um último sacrifício.

Ele envolveu Caio com o próprio corpo, selando o núcleo em seus braços e, num último olhar para Kira, sorriu com ternura.

— “Cuide dos outros. Viva por nós.”

E então saltou, levando Caio para o alto, atravessando o teto em ruínas. Kira correu atrás, gritando, mas era tarde demais.

No céu, a explosão brilhou como um segundo sol.

Um clarão vermelho se expandiu, depois silenciou-se em uma onda de luz branca. Quando a poeira baixou, não havia mais sinal de nenhum dos dois.

Kira caiu de joelhos, tremendo e soltou um grito que reverberou por quadras.

— “Irmãos, nãoooooooo”

No subsolo de uma construção abandonada, Samuel — o Número Seis — respirava com dificuldade. Paulo mantinha pressão sobre o ferimento enquanto Isadora procurava mais bandagens. Camila monitorava os batimentos e sentiu o pulso desaparecer por um segundo. Os olhos dele giraram, apagando-se.

— Ele está... — começou ela.

Mas então, as feridas começaram a se fechar. Ossos estalaram. Um brilho pálido percorreu suas veias como se algo... renascesse ali. 

— “Paulo... olha isso,” murmurou Camila.

As células estavam se reorganizando em tempo real. A regeneração era visível. Ossos trincados se realinhavam. Tecidos se recompunham.

— “Ele está se curando. Rápido demais,” disse Isadora, surpresa. — “Isso não é normal...”

— “Acho que ele tem algo mais. Algo que nem ele sabia,” disse Paulo, em voz baixa, segurando a mão do amigo.

Samuel abriu os olhos. Fracos, mas vivos.

— “Ainda... não acabou?”

— “Não. Mas estamos vivos,” respondeu Paulo.

Enquanto isso, em meio às ruas devastadas, Andrew flutuava, saiu decidido a encontrar Senhor Espectro, e terminar aquela loucura.

Andrew encarava o homem que colocara o mundo à beira da destruição. O Senhor Espectro permanecia imóvel, o corpo envolto por sombras, como se o próprio tecido da realidade se recusasse a tocá-lo. Os olhos sem íris brilhavam com poder inumano.

Eles se mediam em silêncio.

Até que Espectro quebrou o momento.

— “Você carrega a herança de um sol partido. Uma aberração energética. Um milagre que jamais deveria existir. Nós o chamamos equivocadamente de Supremum, acho que superestimamos você!”

— “E ainda assim, sou eu quem vai te deter.”

Espectro sorriu.

— “Veremos.”

O confronto começou com uma onda de energia psíquica lançada por Espectro, distorcendo o ar ao redor de Andrew. Ele resistiu, seus músculos tremendo contra o peso da pressão. Ele disparou em voo, punho cerrado, e colidiu com o vilão como um cometa.

A cidade tremeu.

Edifícios próximos ruíram. Ondas de choque ressoaram a quilômetros. Eles trocavam golpes em pleno ar — Andrew com sua força e velocidade sobre-humanas, Espectro manipulando gravidade, ilusão, densidade, tempo e espaço.

A cada ataque de Andrew, Espectro se dividia em espectros ilusórios. A cada golpe do vilão, Andrew era arremessado por centenas de metros.

Mas Andrew se recusava a cair.

Seu corpo sangrava. Seu peito doía. Mas ele se erguia. Sempre.

— “Você não entende, garoto,” disse Espectro, pairando sobre ele. — “O caos já venceu. O mundo foi reescrito. Você está lutando contra a maré do destino.”

— “Então eu vou quebrar o destino.”

Foi então que Espectro concentrou todo seu poder. Um vórtice de trevas girava ao seu redor. Ele ergueu as mãos, e o céu se abriu em uma fenda púrpura. A realidade tremia.

Andrew mal conseguia respirar. O corpo lutava para manter-se firme. Seus joelhos falhavam. E quando Espectro preparou o golpe final, um feixe de pura aniquilação...

... o tempo parou.

Literalmente.

Tudo ficou cinza.

O ar congelou.

As partículas de energia ficaram suspensas.

E então, do nada, uma figura atravessou o limiar da existência, surgindo ao lado de Andrew.

Joseph Menning.

Mas não como ele era antes.

Seu corpo vibrava com pura energia nuclear contida. O rosto envelhecido, mas os olhos — os olhos brilhavam com a mesma luz que o filho. Ele havia se conectado à radiação original. Estava completo.

— “Filho,” disse ele, com a voz serena, “o tempo está parado só por um instante. É tudo que posso fazer.”

Andrew, atordoado, mal pôde responder.

— “Use isso. Toda sua força. Toda sua velocidade. Agora.”

Andrew olhou para o vilão parado no ar, indefeso por uma fração de segundo.

— “Eu te amo, Andrew,” disse Joseph. “Faça o que nasceu para fazer.”

O tempo começou a fluir novamente.

Andrew voou.

Não como antes. Não apenas com força. Mas com tudo.

A velocidade ultrapassou o som. Depois, a luz. Depois, algo além.

Com um grito que rasgou a alma, ele atravessou Espectro com um impacto tão devastador que o corpo do vilão foi partido em dois, depois em mil fragmentos, depois... em nada.

A energia negra foi dissipada como fumaça ao vento.

Espectro havia sido destruído.

Para sempre.

Entre as ruínas, Andrew permanecia em pé. Seus olhos vagavam pelo campo de batalha. O corpo exausto, coberto de poeira e sangue. Mas ele estava vivo. Eles tinham vencido. Por ora.

Foi quando viu, ao longe, uma figura caminhando por entre os escombros.

Joseph Menning, agora vestindo um traje de contenção cinza, vinha lentamente, os olhos firmes no filho.

Andrew caminhou em sua direção.

Pai e filho frente a frente.

— “Andrew... preciso te contar algo muito importante...”

O vento soprou entre os dois.

E o silêncio, novamente, antecedeu o próximo impacto.

Postar um comentário

0 Comentários