O céu parecia ruir sobre a cidade. O colapso não era apenas estrutural — era moral, mental, emocional. Prédios se desintegravam como cartas em um castelo condenado. Sirenes se misturavam ao som dos gritos e do concreto partindo. O Protocolo Final, ativado por Senhor Espectro, não era uma simples explosão: era uma reprogramação total da realidade controlada, um caos orquestrado.
No centro de tudo, Andrew, com os olhos arregalados, observava o horizonte que se desfazia. O vento rasgava sua camisa, as pessoas corriam desesperadas, e a sensação que o esmagava não era apenas física — era culpa. Culpa por não ter agido antes. Culpa por não ter compreendido o tamanho da responsabilidade que carregava no sangue.
— “Eles não vão escapar...”, disse Número Seis, com o rosto coberto de suor e sangue. “Eles estão vindo.”
E eles vieram.
Das ruínas de um laboratório despedaçado, surgiram dois vultos revestidos de armaduras negras, moldadas para guerra. Os olhos vermelhos como sensores frios. O caminhar ritmado. Leo Archanjo e Caio Ferraz. Ou o que restava deles.
— “Meu Deus... não...” — murmurou Kira, ao reconhecê-los.
— “Eles eram do projeto...” — disse Isadora, trêmula.
— “Não são mais.” — completou Número Seis, cerrando os punhos.
Leo ergueu o braço. Do visor da armadura, uma rajada de energia cortou o ar, explodindo o carro mais próximo. Caio avançou com velocidade sobrehumana, atingindo Camila com um golpe no ombro que a lançou contra uma parede.
Andrew correu, instintivamente, em direção a Caio. Mas o golpe de Caio foi brutal — quase o suficiente para derrubá-lo. Quase.
— “Andrew!” — gritou Paulo, tentando se aproximar.
— “Fica pra trás!” — Andrew respondeu, erguendo-se com os olhos verdes brilhando intensamente.
A raiva fervia. O medo fervia. Mas também fervia a vontade de proteger.
Ele sentiu os pés se desligarem do chão, o vento rasgar os ouvidos, e então...
voou.
Por reflexo, por impulso, mas pela primeira vez, em alta velocidade, cruzando o céu que desabava, passando por colunas de fumaça e helicópteros que tombavam. Ao longe, um prédio tremia, prestes a desabar sobre uma praça cheia de civis.
Ele não pensou. Se lançou contra a estrutura, ombros à frente.
BOOOOM!
O impacto foi devastador — mas o prédio parou. Andrew empurrou as colunas superiores, sustentando toneladas com o grito da alma. E pela primeira vez, entendeu o que podia fazer. Supremum começava a nascer.
Enquanto isso, Kira enfrentava um dilema que doía mais que os golpes. Ela encarava Leo Archanjo, aquele que um dia foi o gênio gentil, o mais leal do trio fundador do Projeto E.C.L.I.P.S.E.
— “Leo, sou eu... é a Kira... você lembra?”
O visor dele tremeu. Os dedos hesitaram.
— “Você é... inimiga. O programa diz...”
— “O programa mente, Leo! Eu... eu confiei em você, nós criamos o Eclipse juntos!”
— “Eclipse...”
— “Por favor...”
Um instante de silêncio.
Leo tremeu. A arma na mão caiu. Mas antes que pudesse reagir, Senhor Espectro surgiu como uma sombra cortando o véu da realidade.
A presença dele era como um campo de gravidade mental. Ele flutuava levemente acima do chão, os olhos sem íris, envolto em um manto de fumaça negra, cabelos longos e brancos dançando como fios em outra dimensão.
Com um simples gesto da mão, Kira foi jogada contra a parede.
Camila caiu de joelhos. Isadora começou a gritar com as mãos na cabeça.
Controle mental. Era isso. Era assim que ele mantinha os soldados fiéis. Era assim que Doutor Jota ficou ao seu lado por tanto tempo.
E agora, ele estava livre.
— “Você não devia estar aqui, Espectro...” — disse uma voz rouca atrás dele.
O tempo desacelerou.
Jota apareceu — não como um super-herói, mas como um homem quebrado, cansado, usando seu dispositivo de teletransporte nos pulsos e luvas brilhando com emissão eletromagnética intensa.
Senhor Espectro virou-se devagar. Sorriu.
— “Você ainda acredita que pode me enfrentar?”
— “Não. Mas acredito nele.”
Andrew surgiu dos céus, com o corpo coberto de poeira, olhos verdes brilhando como tochas. Ele desceu em queda livre e atingiu o chão como um míssil, abrindo uma cratera e ficando entre Espectro e seus amigos.
O impacto sacudiu a rua.
— “Você não vai machucar mais ninguém.”
— “Você mal compreende o que é. Mas logo vai entender.”
— “Eu sei o suficiente.”
Número Seis correu em direção ao vilão com um grito desesperado. Foi interceptado por Espectro no ar. Com um gesto, o vilão o ergueu no ar, esmagando seus ossos com a força do pensamento.
Seis gritou. Os olhos lacrimejaram. Um estalo.
E caiu, quebrado.
Andrew explodiu em fúria, disparando raios concussivos verdes pelos olhos, que atingiram Espectro com força nunca vista. Mas o vilão apenas deslizou para trás, sorrindo.
— “Você está despertando. Excelente.”
Antes que atacasse de novo, Jota ativou um poder que havia usado por ele poucas vezes na sua vida. Uma explosão de luz. Tempo congelado.
Por poucos segundos, o mundo parou.
— “Vamos embora.” — disse Jota, agarrando Andrew, Kira, Seis, Camila e Isadora e Paulo.
— “Quem é você?” — perguntou Andrew.
— “Alguém... que te ama mais do que tudo.”
Ele ativou o teletransporte. O mundo se desfez em partículas de luz.
O clarão rasgou a noite como um relâmpago silencioso.
A sensação de queda durou menos de um segundo.
E então, o mundo se acalmou.
O grupo inteiro surgiu em meio a um antigo observatório, afastado do centro urbano — um dos refúgios esquecidos que Doutor Jota havia construído décadas antes, quando ainda acreditava que o mundo poderia ruir. O lugar parecia um santuário: abandonado, mas seguro. As janelas estavam vedadas, geradores zumbiam no subsolo, e os sensores perimétricos protegiam qualquer entrada.
Andrew cambaleou ao tocar o chão, os olhos ainda carregando a luminosidade do raio verde que disparara momentos antes. Camila caiu de joelhos, exausta. Isadora ajudava Paulo, que tremia com um corte no braço, ainda atordoado.
Número Seis estava desacordado, com o corpo ensanguentado e imóvel, mas vivo. Kira o segurava com força.
Doutor Jota, em silêncio, observava todos. O visor da máscara ofuscava sua expressão, mas dentro dele, algo se quebrava.
Andrew se virou, ofegante.
— Quem... é você? — perguntou, voz rouca, desconfiada.
Jota hesitou por uma fração de segundo. Mas então, desviou o olhar.
— Alguém que ainda tem muito o que reparar.
Ele se afastou sem responder mais nada, abrindo um compartimento de suprimentos próximo à parede.
Foi quando Kira se levantou, os olhos fixos na direção do portão do observatório.
— Ele ainda está lá.
Camila olhou para ela, confusa:
— Quem?
— Leo. Eu vi. Ele hesitou antes de me atacar. Ele... Ele me reconheceu. — Sua voz oscilava entre convicção e emoção contida. — Eu não posso deixá-lo naquele lugar. Não mais.
Andrew franziu o cenho.
— Kira, você viu o que ele fez. Ele está... reprogramado. Você viu o que os Arcanjos Caídos se tornaram.
— Mas eu também estive assim, Andrew. Eu... Eu também fui parte daquilo. Se há qualquer chance de trazê-lo de volta, eu preciso tentar.
Doutor Jota a encarou por alguns segundos em silêncio. Então, caminhou até uma maleta escura no canto da sala e a abriu. Dentro, um dispositivo circular de teletransporte portátil brilhava com pulsos azulados.
— Este é um salto de curto alcance — disse ele, entregando o aparelho. — Não há garantia de segurança, nem de volta imediata. Você tem menos de 10 minutos antes do colapso térmico no núcleo da instalação.
— É tudo o que eu preciso.
Camila tentou intervir:
— Kira, você tá maluca? Vai sozinha?
— Não. Vou... como quem deve.
Andrew a observou em silêncio. Algo no tom de voz dela, na determinação silenciosa, lhe lembrava de si mesmo. Um sentimento de dever visceral, de quem perdeu demais e não estava disposta a perder outra vez.
Kira ativou o dispositivo. A luz a envolveu como uma aurora fantasma, e então, em um segundo, ela desapareceu.
O som do silêncio que ficou após sua partida foi ensurdecedor.
Paulo se sentou, ainda respirando com dificuldade:
— Ela vai voltar, né?
Doutor Jota não respondeu.
Mas em seu íntimo, ele sabia que aquela decisão marcava o início de algo ainda maior: não era apenas sobre fuga ou sobrevivência — era sobre redenção. Para Kira. Para Leo. Para todos eles.
Silêncio.
Entre os escombros da cidade, Leo Archanjo, ferido, parcialmente destruído, ainda vivo, se arrastava.
Kira, com os olhos marejados, se aproximou, mesmo com Paulo tentando detê-la.
Ela ajoelhou ao lado dele.
— “Você... voltou?” — ele sussurrou.
Leo a encarou. Parte do visor rachado revelava um olho humano, castanho.
Ele sorriu levemente.
— “Kira... eu... lembro... agora...”
E então desmaiou na cidade em ruínas... e nos corações ainda mais devastados.

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