O silêncio da biblioteca jurÃdica era quebrado apenas pelo som das teclas sob os dedos ágeis de Paulo. O brilho da tela refletia em seus olhos atentos, enquanto linhas de código e diretórios secretos desfilavam diante dele.
Sentada ao seu lado, Isadora observava tudo com o maxilar tenso e o olhar inquieto.
— “Isso aqui tá muito mais fundo do que parece...” — murmurou Paulo, a voz quase inaudÃvel.
— “Você achou alguma coisa sobre o projeto NEUROMAX?” — perguntou Isadora, em um sussurro. Ela olhou em volta, como se as prateleiras estivessem prestes a denunciá-los.
Paulo assentiu devagar.
— “Sim. Mas não vem com esse nome direto. Estão disfarçados sob camadas de códigos, relatórios técnicos e nomes genéricos. Aqui ó: ‘protocolo M-G13’, ‘reativação de cadeias genéticas’, ‘testes em campo não controlado’...”
Ele pausou. Engoliu seco.
— “...e uma assinatura. Um professor da nossa universidade. E o selo da Fundação GENOS.”
Isadora franziu o cenho.
— “GENOS? Mas essa fundação financia pesquisas em genética avançada, desenvolvimento neurológico... e armamento biotecnológico.”
— “E tem ligação com a Kromak Industries,” completou Paulo. “Eles são gigantes na área de biotecnologia e defesa. Tem contratos com o governo... e estão por trás de algo muito maior.”
Isadora deslizou o dedo no touchpad e abriu um arquivo criptografado escondido num diretório obscuro. O tÃtulo do PDF piscava: [CLASSIFICADO] - CÉLULAS ADORMECIDAS EM METAGENES HUMANOS.
Ao ler, seu rosto ficou lÃvido.
— “Eles estão induzindo mutações... usando traumas, choques mentais, experiências extremas. Diz aqui que ‘sujeitos com predisposição genética podem manifestar habilidades latentes após exposição a estÃmulos adequados’. São experimentos em humanos. Sem consentimento.”
Paulo apertou os olhos, incrédulo. — “Eles estão tentando acordar super-humanos.”
Do lado de fora, Andrew caminhava pela praça central da universidade. Era fim de tarde, e o céu dourado mal aliviava o peso que sentia nos ombros. A cabeça latejava. Seus sentidos pareciam amplificados. Ele podia ouvir conversas distantes, perceber o farfalhar das folhas como sussurros em sua mente.
Sentou-se na mureta de pedra perto do antigo jardim dos fundadores. Um lugar quase esquecido do campus.
Camila se aproximou em silêncio e sentou ao lado dele. O ar da noite era morno, mas havia algo inquietante no vento.
— “Você tá estranho desde aquele dia...”
Andrew suspirou, os olhos fixos no céu escurecido.
— “Eu não queria me envolver nisso, Camila. Não desse jeito. Mas tem algo acontecendo. Algo que vai além da gente.”
Ela o encarou, desconfiada.
— “Você sentiu alguma coisa?”
— “Não sei explicar. Mas meus sentidos estão diferentes... aguçados. E mais do que isso... é como se algo me puxasse. Como se alguém estivesse mexendo com o que não devia.”
Camila ficou em silêncio por um momento.
— “Você acha que estão tentando fazer com outras pessoas o que... você já é?”
Andrew hesitou. O olhar sério agora encarava o nada.
— “Não sei. Mas parece que tem gente querendo manipular forças que não entende. E isso nunca termina bem.”
Camila tocou seu braço, leve.
— “Talvez seja só impressão. Ou talvez... seja o começo de algo que a gente ainda vai entender.”
Andrew assentiu lentamente, mas os olhos permaneceram fixos no escuro.
— “Se for o que eu penso... não vai demorar pra verdade aparecer.”
Logo que chegaram a praça central, Paulo e Isadora mostraram a Andrew e Camila o que descobriram na biblioteca na investigação que fizeram. A princÃpio, pareciam apenas rumores: alunos desaparecidos, registros apagados, movimentações incomuns no Bloco H — um prédio que, oficialmente, estava fora de uso. Mas os dados que Paulo extraÃra do sistema da universidade, cruzados com os arquivos fÃsicos encontrados por Isadora, contavam outra história.
Protocolos secretos. Testes genéticos. Aplicação de substâncias em voluntários sem consentimento. Algo muito errado estava acontecendo ali dentro.
— “Eles estão tentando despertar habilidades à força,” dissera Isadora, com os olhos cheios de inquietação. “E alguns... simplesmente não voltam.”
— “Tem gente sumindo. E ninguém fala nada,” completou Paulo.
Foi ali que decidiram: precisavam entrar.
A noite caÃa sobre o campus, mas no terreno isolado atrás do Bloco H, quatro sombras se movimentavam com cautela. O antigo prédio experimental da universidade parecia esquecido — fachada desgastada, janelas cobertas por poeira e tempo. Mas os sensores térmicos, as câmeras discretas e o campo de segurança invisÃvel contavam outra história: alguém ainda operava lá dentro.
Paulo abaixou o brilho do celular e mostrou um mapa detalhado, com anotações em vermelho.
— “A lateral do prédio tem um ponto cego. Entre dois sensores térmicos. Se a gente for agachado por ali, conseguimos entrar sem acionar os alarmes.”
Andrew observou o mapa com seriedade, os braços cruzados.
— “E você tem certeza disso?”
— “Tanta certeza quanto alguém que passou a adolescência invadindo redes de empresas de segurança.”
Camila forçou um sorriso. — “Você tem um conceito muito... único de currÃculo.”
Isadora mantinha os olhos atentos ao redor. — “Quanto mais tempo demorarmos aqui fora, maior a chance de sermos detectados. Vamos.”
Atravessaram o terreno com agilidade, abaixados entre as sombras das árvores e a lateral do muro. Cada passo era um desafio contra os sensores. Mas o conhecimento de Paulo e a precisão de Andrew guiavam o grupo como se houvesse uma linha invisÃvel entre eles e o objetivo.
No interior, o ar era estagnado e estéril, impregnado por um cheiro metálico, frio. As luzes de emergência lançavam um brilho azulado pelas paredes brancas — e por um instante, parecia que o tempo ali dentro não corria da mesma forma.
— “Parece um hospital abandonado,” murmurou Camila.
— “Ou um laboratório clandestino,” corrigiu Isadora, abrindo uma porta com um cartão hackeado.
Após desviar de uma câmera giratória, atravessar dois corredores e decifrar mais um código de acesso, chegaram à sala de monitoramento.
Paulo foi direto ao terminal. Seus dedos dançaram sobre o teclado, quebrando protocolos com uma confiança irritantemente natural.
Isadora se dirigiu a uma estante metálica repleta de pastas. Tirou uma delas, encapada com o selo apagado da Fundação GENOS.
— “Isso aqui confirma tudo que achamos na rede interna. Protocolo M-G13. Testes em campo. Ativação de cadeias genéticas.”
— “VÃdeo no sistema,” disse Paulo. “É o arquivo mais recente. Código de projeto: NEUROMAX.”
As telas acenderam. E ali estava ele: Eduardo. Preso a uma maca, os olhos arregalados de medo, eletrodos colados ao crânio raspado. Técnicos mascarados o cercavam, monitorando dados em painéis brilhantes. Aplicavam injeções. E então, os gritos começaram.
O corpo dele se contorcia. As veias pulsavam com uma luz azulada, como se energia passasse sob a pele. Ele gritava.
— “Eles estão dentro da minha cabeça! Saiam da minha cabeça!!”
As luzes estouraram. Um ruÃdo sibilante ecoou nos alto-falantes. A câmera tremia.
E depois... sangue. Fragmentos de vidro. Um borrão escuro se arrastando até sumir da tela.
O silêncio tomou conta da sala.
Camila cobriu a boca com a mão.
Isadora falou quase sem voz:
— “Isso não é pesquisa. É tortura.”
Andrew encarava a tela, os punhos cerrados.
— “Eles não estão tentando entender o que somos. Estão tentando copiar. Criar algo que possam controlar. Uma versão de mim... que obedece.”
Um clique metálico interrompeu o momento.
RuÃdo no corredor.
Passos.
Lentos. Constantes. Se aproximando.
A tela piscou. As luzes da sala tremeram.
Todos se viraram para a porta.
Eles não estavam mais sozinhos.
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