Supremum - A Caçada Total

 


A tempestade não era de nuvens, mas de ordens, códigos e armas.

Em uma sala subterrânea da Fundação GENOS, sob o brilho azulado das telas, Senhor Espectro caminhava em silêncio absoluto. Seu manto escuro flutuava suavemente com os movimentos calculados. Em frente a ele, uma mesa oval com generais, executivos e algoritmos vivos projetando dados holográficos.

No centro da projeção, uma imagem de Kira Almeida, olhos esbugalhados, corpo trêmulo, e um alerta em vermelho pulsante: NEUROMAX-03 — ATIVO FORA DE CONTROLE.

Iniciem o Protocolo Caçador Total, ordenou ele, sem alterar o tom de voz.
As luzes da sala piscaram uma vez. Um silêncio de segundos precedeu a movimentação de toda a máquina.

As ruas de Brasília não saberiam o que os atingiria.

A noite era densa e abafada. Kira cambaleava pelas vielas entre galpões abandonados. Seus pés descalços estavam sujos de terra e sangue. Suas mãos tremiam — não de medo, mas de descarga elétrica instável percorrendo seu corpo.

Ecoavam ainda na sua mente os gritos. Os comandos. Os choques.
A dor da desconexão.

“Número 03. Retorne à zona segura. Reintegração neural iniciada.”

— Cale a boca! — ela sussurrou, apertando a cabeça.

Mas as vozes vinham de dentro. Não da mente. Do programa.

Kira caiu de joelhos ao lado de uma caçamba, respirando com dificuldade. Olhou para o céu. Não havia estrelas naquela noite.

— Eu não sou uma arma…

Um zumbido cortou o ar. Drones de reconhecimento varriam a região com feixes vermelhos.

Ela não tinha mais tempo.

Num andar intermediário do complexo, Doutor Jota assistia às transmissões ao vivo das unidades de busca. Braços cruzados, olhos verdes sombrios fixos em um dos monitores.

— Eles estão mandando as unidades da Ordem Externa… Estão mesmo dispostos a matar.

Ao seu lado, a cientista Dra. Rebeca Lang, nervosa, tentava disfarçar sua inquietação.

— Jota, ela foi programada para não escapar. Isso nunca deveria ter acontecido. Se o Espectro descobrir que você sabotou o protocolo de submissão…

— Ele já sabe — interrompeu. — E está apenas esperando o momento certo para me descartar também.

Silêncio.

Na tela, Kira derrubava um drone com um jato de energia instável.

O olhar de Doutor Jota se tornou quase paternal.

— Lute, garota. Mostre a eles que não somos máquinas.

No alojamento da universidade, Andrew, Camila e Paulo estavam em alerta.

O noticiário mostrava helicópteros militares cruzando os céus da cidade. O narrador falava de um “exercício de segurança conjunta com forças federais”. Mas Andrew sabia — aquilo tinha cheiro de encobrimento.

— Cês perceberam que as câmeras da universidade foram trocadas esta semana? — perguntou Paulo, ajustando os óculos.

— E eu ouvi de um segurança que três estudantes sumiram ontem — disse Camila, pálida. — Estavam no mesmo laboratório que a Kira.

Andrew não disse nada. Sua mente estava inquieta. Desde que viu Kira em surto, uma estranha sensação de conexão o atormentava. Como se algo nela despertasse algo nele.

Algo que ele estava escondendo até de si mesmo.

Do alto de um dos prédios da cidade, um grupo de agentes da Ordem Externa observava a região mapeada.

— Unidade 04, confirme visual de alvo — sussurrou um agente com visor infravermelho.

— Negativo. Mas há rastros de energia residual. Ela está perto.

Kira estava deitada sob um carro abandonado, respirando baixo. Sua pele tremia. As memórias vinham aos poucos — trechos de treinamentos, choques, torturas, e um rosto gentil. Um homem de barba grisalha. Doutor Jota.

“Lute, Kira. Você não é o que eles disseram que é.”

A porta do carro foi arrancada de repente.

— ALVO VISUALIZADO! — gritou um dos soldados.

Mas antes que disparassem, uma explosão de energia os lançou longe.

Kira se ergueu. Os olhos brilhavam em tom ciano.

— Vocês… não vão me levar de volta.

No coração do complexo, Senhor Espectro reunia-se com uma figura oculta.

— O Protocolo foi iniciado, mas ela resiste.

A figura respondeu com voz grave e distorcida:

— Isso era esperado. Eles sempre quebram. Mas a quebra os destrói.

— E se não a capturarmos?

— Então iniciaremos a operação Reboot total. Todos os despertos — sejam controláveis ou não — serão eliminados. Incluindo o garoto… o filho de Menning.

Senhor Espectro assentiu levemente.

— Doutor Jota tentará interferir.

— Então está na hora de você fazer com ele o que deveria ter feito há anos.

A tela se apagou.

Em algum canto escondido da cidade, entre galpões, Kira sentia que não estava sozinha.

Dois olhos a observavam da escuridão.

— Quem está aí?

A sombra se moveu. Um jovem, com cabelos brancos curtos e olhos cinzentos, saiu do escuro. Em sua pele, cicatrizes metálicas pulsavam energia azul.

— Você não é a única que acordou, número 03.

— Quem… quem é você?

Ele sorriu.

— Número 06. E está na hora da gente acordar os outros.

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