Supremum - Ruptura

 


O Sopro de Um Nome Esquecido

Instalação subterrânea da GENOS – Ala NEUROMAX

A luz branca da sala pulsava ritmicamente, como o coração de uma máquina viva. Kira sentava-se numa cápsula metálica parcialmente aberta, os fios ligados à sua nuca desconectados, mas ainda com marcas vermelhas. Ela havia terminado mais uma das “sessões de alinhamento neural”, como chamavam. Mas algo estava diferente.

As vozes no fone de ouvido cessaram. A música artificial, calculada para ativar zonas específicas do seu cérebro, havia sido interrompida.

Ela piscou.

E viu.

Um fragmento. Uma árvore. Uma escada de ferro enferrujado. Risos de crianças.

Ela levou a mão à cabeça. Não fazia parte do treino. Não fazia parte de nada que lhe haviam dito.

— “Kira, nível de oscilação neural fora do padrão”, informou uma voz metálica no teto.

Ela não respondeu. Seus olhos vagueavam. O nome… um nome… ecoava em sua mente como uma lembrança que se recusava a sumir.

“Rafa…”

Ela se levantou da cápsula.

— “Iniciar protocolo de reestabilização”, anunciou a voz.

Mas Kira já estava andando em direção ao corredor.


Doutor Jota e o Dilema do Pai

Sala de observação – Setor Delta

Doutor Jota observava o monitor com as imagens de Kira em tempo real. Seus olhos verde-escuros estavam fixos, mas sua mandíbula se contraía sutilmente.

Ao seu lado, dois técnicos registravam os dados com frieza científica.

— “Ela está apresentando resistência neural espontânea, doutor. Não é comum nesse estágio.”

— “Ela tem histórico anterior?” — ele perguntou, como se não soubesse.

— “Nada que os registros mostrem. Talvez uma interferência de memória residual.”

Jota permaneceu em silêncio. Ele sabia a verdade. Sabia que aquela menina — Kira Antunes — havia sido levada aos 14 anos após a morte do irmão mais velho num “acidente” provocado pela própria GENOS. Sabia que ela havia resistido ao condicionamento por meses antes de ceder.

Mas parte dela nunca cedeu completamente. E agora, aquela parte estava ressurgindo.

“Eles vão usá-los. Vão quebrá-los. E se eu fizer algo… arrisco colocar Andrew em perigo. Mas se não fizer…”

Ele levantou-se da cadeira. Suas mãos tremiam por um segundo — imperceptível para qualquer um, mas real para ele.

— “Continue o monitoramento. Se ela ultrapassar o limiar psíquico… não a sedem. Apenas me avisem.”

Virou-se e deixou a sala.

No corredor, parou diante de uma janela. Dali, podia ver o painel holográfico com todos os “Sujeitos Ativos” da GENOS.

“Eu te prometi, Luíza… que cuidaria dele. Que impediria o que estavam tentando fazer.”
“Mas já passou do meu controle.”


Fronteiras da Verdade

USP — Sala de arquivos restritos

Camila digitava rapidamente, invadindo os registros confidenciais da universidade com técnicas que Paulo duvidava serem legais.

— “Achei outro nome. Sujeito 18. Nome real: Rafael Antunes. Desaparecido há seis anos. Irmão mais velho de… Kira Antunes.”

Andrew se aproximou.

— “Kira? A Kira da nossa sala?”

Camila assentiu.

— “Ela sumiu por dois meses e voltou… diferente. Mais fria. Mais ausente. Eu achei que fosse trauma. Mas agora tudo aponta pra algo maior.”

Isadora olhou para Andrew, séria:

— “E se ela estiver sendo usada como você quase foi? Como um experimento?”

Andrew apertou os lábios. O nome Rafael mexia com algo em sua mente — uma vaga lembrança de um garoto do time de futsal do colégio.

— “Eles estão coletando peças para algo maior. Eles não estão apenas estudando jovens com dons. Estão moldando soldados.”

Paulo se aproximou.

— “E se formos os próximos?”

Andrew olhou para os amigos. Eles estavam reunidos em uma sala escura, cercados por fichas, códigos e incertezas.

— “Então temos que encontrar um jeito de tirá-la disso. Antes que seja tarde.”


Senhor Espectro: Vozes no Vazio

Salão Central de Controle – Núcleo de Operações

A figura envolta em sombras caminhava lentamente pelo corredor de aço. Os sensores apagavam ao seu redor, como se sua mera presença os fizesse desistir de funcionar.

Senhor Espectro — o Cavaleiro das Distorções — aproximou-se do núcleo principal. Os hologramas surgiram como espectros flutuantes: os rostos de Caio, Léo, Kira. Todos sob observação constante.

Um técnico se aproximou, tremendo.

— “Senhor Espectro… a Sujeita 25 está em estado de dissonância psíquica.”

A voz que respondeu soou como o ranger do próprio tempo:

— “Corrijam.”

— “Mas Doutor Jota ordenou…”

— “Corrijam. Ou substituam.”

O homem recuou, engolindo o medo.

Senhor Espectro voltou-se para o painel. Tocou o holograma de Kira. Ela aparecia andando, sozinha, num corredor iluminado por luzes vermelhas.

— “A fissura começa na mente… e cresce no espírito.”

Seus olhos brilharam sob a máscara opaca.

— “Mas eu a quebro. Ou a reconstruo.”


A Chave e a Ruína

Kira — Setor Interno da Instalação GENOS

Kira entrava numa sala que não deveria existir. Era antiga. Desativada. Ali havia um mural com fotos antigas de "Sujeitos Perdidos". E entre elas, uma foto dela com Rafael — mais jovem, sorridente, segurando uma prancha de surf.

Ela tocou a imagem. Lembranças vinham como golpes: vozes, gritos, uma ambulância. O irmão sendo levado. O “acidente” que nunca fora explicado.

Ela se encolheu no chão, lágrimas correndo pelo rosto.

— “Eu lembro…”

Uma porta metálica se abriu bruscamente atrás dela.

— “Sujeita 25. Volte para sua cápsula.”

Dois agentes armados. Mas Kira não se moveu. Seus olhos, agora, queimavam em azul escuro.

— “Não.”

Eles se entreolharam.

— “Protocolo de contenção, agora.”

Mas quando avançaram, uma rajada de energia explodiu de suas mãos. Kira não controlava — mas também não se continha.


Círculo de Confiança

Universidade – Antigo refeitório abandonado

Andrew, Camila, Paulo e Isadora conversavam em círculo.

— “Temos que encontrá-la. Se ela estiver mesmo sendo usada pela GENOS, é nossa chance de entender o plano deles por dentro.” — disse Camila.

— “E se ela for perigosa?” — questionou Paulo.

Andrew respondeu com firmeza:

— “Então vamos ajudá-la. Eu já estive nesse lugar. Ninguém sai sozinho.”

Isadora segurou sua mão.

— “Estamos com você. Todos nós.”

Ele assentiu. E, pela primeira vez desde que despertara, sentiu que não estava mais carregando o peso do mundo sozinho.


Doutor Jota observa

Sala de Monitoramento Individual — GENOS

Doutor Jota assistia à explosão de energia gerada por Kira nos corredores da instalação.

— “Ela vai despertar por completo em breve…” disse um técnico.

Ele não respondeu. Apenas observou, e apertou um botão secreto sob a mesa.

Uma tela oculta surgiu. Mostrava Andrew, sorrindo ao lado dos amigos, em tempo real.

Seus olhos brilharam de tristeza e orgulho.

“Que você nunca precise conhecer as escolhas que tive que fazer para mantê-lo vivo.”

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