Supremum - Ecos no Subsolo

 


A estrutura metálica gemeu enquanto Paulo empurrava o último pedaço da grade enferrujada para o lado. O som arrastado ecoou pelos dutos, como um sussurro metálico que anunciava que não haveria volta.

Ele foi o primeiro a deslizar para dentro da abertura escura. Os ombros mal cabiam no espaço estreito, e o cheiro úmido e envelhecido do ferro oxidado queimava suas narinas. Atrás dele, Camila seguiu com esforço, ofegando ao apoiar os joelhos e tentando não pensar na claustrofobia que começava a subir pelo peito.

Isadora entrou logo depois, olhando por cima do ombro uma última vez antes de empurrar a grade de volta com cuidado. O som das dobradiças desgastadas cortou o silêncio como uma lâmina.

Do lado de fora, no laboratório agora apagado, Andrew ficou por um instante a mais. De pé diante da porta, encarava a escuridão como se ela pudesse falar. Os sensores do seu corpo em alerta — o leve chiado de um capacitor em sobrecarga, os passos cautelosos que ainda ecoavam nos corredores acima, o zumbido abafado vindo das câmeras, mesmo sem energia. Tudo o informava que o perigo não havia passado... apenas mudado de forma.

Só então ele se virou e entrou no duto, deslizando atrás dos outros. A escuridão o engoliu com um baque seco da grade sendo recolocada. Estavam todos no subsolo agora — o coração abandonado da universidade, onde os corredores tinham sido esquecidos até pelos mapas oficiais.

O caminho era estreito, sufocante. As paredes metálicas cobertas de poeira velha, e as teias de aranha se desfaziam no ar com o movimento deles. Andrew ia por último, atento a qualquer ruído vindo de cima. Seus olhos, adaptados à escuridão, enxergavam nitidamente as rachaduras no revestimento, a oxidação nos canos, os fios abandonados que ainda vibravam com pequenas descargas de energia residual. Era como se aquele lugar estivesse... vivo.

— Paulo... pra onde a gente tá indo exatamente? — sussurrou Camila, tentando não tropeçar em uma fiação solta.

— Esse nível conecta os túneis do prédio antigo ao setor de manutenção do reator experimental — respondeu ele, ainda à frente. — Era um projeto da universidade com uma empresa privada, mas foi desativado há anos. Ou... pelo menos é o que dizem.

Isadora se virou para ele, alarmada.

— Você quer dizer que tem radiação aqui embaixo?

— Não — disse Andrew, se adiantando. — Já verifiquei. O núcleo foi removido. Mas tem sinais de que alguém esteve por aqui. Recentemente.

Eles pararam diante de uma porta de aço reforçado, suja de ferrugem e tempo. Na parte de cima, o letreiro com o símbolo da universidade estava parcialmente apagado. Mas logo abaixo, em letras quase invisíveis sob camadas de poeira, lia-se: "Acesso restrito – Projeto E.C.L.I.P.S.E."

Andrew pousou a mão na porta. Sentiu o pulso de energia residual correr por seus dedos — uma frequência estranha, que vibrava em um compasso não natural. Aquilo não era só tecnologia humana.

— Isso foi mexido — murmurou ele. — Há pouco tempo.

— Como você sabe disso? — perguntou Isadora, já sabendo a resposta.

Andrew apenas a encarou com seriedade. O toque dos sensores nucleares em seu corpo reagia à presença daquela energia de maneira incômoda, como se fosse... uma ameaça silenciosa.

Com um estalo seco, a porta destravou sozinha. Nenhum código, nenhum painel. Ela apenas aceitou que eles entrassem.

A sala do outro lado parecia um laboratório esquecido. Circular, de teto alto e paredes revestidas com placas metálicas negras. Cabos pendiam do teto como serpentes mecânicas, e uma luz azulada pulsava em intervalos fracos nas bordas da estrutura. No centro, três cápsulas verticais, de vidro grosso e estrutura reforçada por colunas de aço. Eram... câmaras de contenção.

Dentro de cada uma delas, um corpo.

— Meu Deus... — sussurrou Camila, levando a mão à boca.

Isadora se aproximou de uma cápsula. O rosto da jovem ali dentro parecia sereno, quase em paz, como se estivesse dormindo. Os fios escuros caíam pelos ombros, e marcas de sensores estavam coladas nas têmporas e na nuca.

— É a Kira Voss... — disse Isadora, com a voz trêmula. — Psicologia, turma de 2023. Ela desapareceu em setembro...

— Aqui — apontou Paulo. — Léo Arcanjo. Engenharia elétrica. Sumiu há cinco meses.

Camila se virou para a terceira cápsula. — Caio Ferraz. Ele estudava física. E sempre... sempre almoçava com a gente no bandejão. Como... como eles vieram parar aqui?

Andrew, parado ao fundo, observava em silêncio. Algo naquele lugar não fazia sentido. As cápsulas... não estavam desligadas. As luzes pulsavam. Os sensores ainda colhiam dados. E as batidas cardíacas dos três... estavam aumentando.

— Eles não estão em coma — disse ele. — Estão sendo mantidos em estado de semiatividade. E acordando.

As luzes da sala se intensificaram de repente, mudando de tom — do azul suave para um brilho esverdeado e intermitente. Um som metálico soou acima deles, como um motor antigo voltando à vida. As cápsulas vibraram levemente.

— Não pode ser... — sussurrou Paulo. — Eles vão acordar.

— A gente precisa sair daqui — disse Camila.

Mas era tarde.

Os olhos de Kira se abriram.

Um brilho violeta intenso preencheu suas íris como se fossem feitas de luz líquida. O vidro da cápsula dela se rachou com um estalo sutil, enquanto seus dedos começavam a se mover. Uma energia invisível percorreu a sala, fazendo os cabelos de todos se eriçarem.

Na cápsula ao lado, Léo Archanjo começou a se debater. Um vapor escuro escapava das placas em seu braço, como se parte de seu corpo estivesse sendo energizado por dentro. Estalos térmicos criaram bolhas no vidro que o mantinha contido.

E Caio Ferraz... não estava mais visível. Seu corpo vibrava numa frequência tão alta que parecia se desfazer em fragmentos de eletricidade, como se sua presença estivesse oscilando entre o mundo físico e outra dimensão.

Um ruído grave surgiu do alto — alto-falantes embutidos nas paredes que ninguém havia notado até então.

— “Protocolos NEUROMAX ativados. Subjetos 3, 5 e 8: reinicialização concluída. Preparar caçada. O Subjetivo Alfa foi localizado.”

Andrew sentiu o ar ao redor ficar pesado. Não era medo... era algo mais antigo, mais denso. Como se um abismo tivesse sido aberto entre eles e qualquer chance de retorno.

Os caçadores haviam acordado.

E estavam olhando direto para ele.

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