Supremum - Colisão - T2/E15

 

LESTE DA CIDADE

A noite pairava sobre a cidade como um véu denso e silencioso. Em um beco iluminado apenas por luzes trêmulas de postes enferrujados, Kira corria. As solas dos tênis sujos raspavam o asfalto, respiração ofegante, feridas abertas no braço esquerdo e um corte sangrando acima da sobrancelha. Logo atrás, Número 06 mantinha o ritmo, olhos cinzentos atentos ao menor movimento, as cicatrizes metálicas em seu pescoço e braços pulsando em azul, como se sentissem o perigo.

Atrás deles, os primeiros drones começaram a surgir nos céus. As hélices ecoavam como um zumbido distante, mas crescente. Sinais do início do Protocolo Caçador Total.

— Não pare — disse Número 06 em tom calmo, mas firme. — Estamos sendo cercados.

Kira assentiu, o corpo tremendo mais de exaustão emocional do que física. O encontro com o garoto de cabelos brancos tinha mexido com ela de forma estranha, como se ele fosse um espelho distorcido de algo que ela mesma havia esquecido. Algo profundo. Algo... acordado.

USP — CAMPUS CENTRAL

Na Praça do Relógio, sob o frio suave da madrugada, Andrew, Isadora, Paulo e Camila seguiam silenciosos. Haviam notado os cortes de energia em alguns setores da cidade, o comportamento estranho de professores e o sumiço de certos alunos nos últimos dias. O clima era tenso.

— Você sentiu isso? — Isadora interrompeu, parando de andar.

Andrew ergueu os olhos. Seus sentidos estavam cada vez mais apurados desde a última descarga de energia no laboratório onde treinava escondido. Ele sentia algo se aproximando. Algo vivo. Em fuga.

Paulo, com seu jeito desconfiado, puxou o capuz.

— Isso não é paranoia. É padrão. Sempre antes de algo grande acontecer, o ar pesa assim.

Camila sussurrou:

— Olhem pra cima...

Um zumbido percorreu a noite. Drones. O céu antes limpo agora brilhava com luzes artificiais que vasculhavam o campus.

— Isso é militar? — Camila perguntou.

Andrew franziu o cenho.

— Isso é outra coisa. Algo que não foi feito pra ser visto.

ÁREA INDUSTRIAL — LESTE DA CIDADE

Doutor Jota observava as imagens dos drones em tempo real. Os monitores iluminavam o ambiente escuro de sua sala subterrânea. Seu rosto envelhecido e bem alinhado mantinha-se sério, mas seus olhos verde-escuros tremiam levemente.

— Eles vão se encontrar. E quando isso acontecer... nada poderá impedi-los.

A seu lado, Senhor Espectro, com sua armadura negra reflexiva, permaneceu imóvel.

— Está hesitante, Jota? — sua voz ecoava metálica, sem emoção.

— Ele ainda é meu filho — disse o cientista. — E ela... ela é o fio que conecta o passado ao colapso.

— E é por isso que deve agir. Ou eu agirei por você.

USP — EDIFÍCIO ANTIGO DE ENGENHARIA

Andrew correu na direção do som. Algo dentro dele o guiava. Energia vibrava debaixo de sua pele, como se estivesse em ressonância com outra força. Isadora o acompanhava, com Camila e Paulo logo atrás.

Foi quando a parede explodiu.

Lajes e poeira voaram, e do meio da fumaça, dois corpos surgiram: Kira e Número 06, em fuga. Ela estava ferida, as mãos envoltas em energia azulada. Ele, atento, com os olhos cinzentos analisando tudo ao redor como uma máquina viva.

— Fiquem onde estão! — gritou uma voz eletrônica.

Os drones desceram. Armas foram armadas.

Andrew se colocou à frente, instintivamente. Seus olhos brilharam em tom verde — e dois feixes concussivos dispararam, destruindo os dois drones mais próximos.

— Eles estão com a gente!

Kira e 06 se entreolharam. Era a primeira vez que alguém dizia aquilo... em voz alta.

— Camila, Isadora, cobertura! — Andrew gritou.

Camila puxou Paulo para trás de uma pilastra enquanto Isadora tentava usar uma tampa de lixeira metálica como escudo improvisado. Não tinham poderes, mas estavam decididos a ajudar.

06 ergueu o braço e disparou uma onda sônica que destruiu três drones.

Kira gritou e lançou uma esfera de pura força neural contra os destroços que vinham em queda, despedaçando-os no ar.

— Quem... são vocês? — perguntou Andrew, tentando entender.

— Eu sou Kira... e ele é 06. Fomos... acordados.

— Por quem?

— Por eles.

O chão tremeu. Um som gutural ecoou das sombras. Uma nova unidade de ataque, maior, blindada, surgiu entre os edifícios.

— TEMOS QUE SAIR DAQUI! — berrou Paulo.

06 olhou Andrew nos olhos.

— Você pode nos tirar daqui?

Andrew hesitou. Depois assentiu.

— Me sigam.

ESCOLA ABANDONADA — ZONA SUL

Meia hora depois. A base improvisada do grupo servia como abrigo. Enquanto Camila cuidava dos ferimentos de Kira, Andrew e 06 se encaravam. Uma tensão pairava no ar.

— Você é diferente — disse 06. — Como nós. Mas não foi “acordado” do mesmo jeito.

Andrew ergueu uma sobrancelha.

— Do que você está falando?

— Há outros como nós. Dormindo. Escondidos. Controlados. Mas... algo maior está vindo.

Kira, sentada num colchão rasgado, murmurou:

— É como se tudo tivesse sido um teste até agora.

Isadora perguntou:

— Vocês são experimento militar?

06 respondeu com frieza:

— Somos erros que sobreviveram.

Andrew apertou os punhos.

— Então vamos fazer algo com esse erro.

Do lado de fora, uma câmera escondida na parede captava tudo. A imagem era transmitida em tempo real até os olhos atentos de Doutor Jota.

Ele fechou os olhos. Pela primeira vez em muitos anos, sussurrou para si mesmo:

— Me perdoe, Andrew...

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