Supremum - Chamado de Sangue - T2/E16

 


ESCOLA ABANDONADA — ZONA SUL

A chuva fina tamborilava no telhado de zinco, criando um som constante, quase hipnótico. O interior da escola, embora precário, parecia mais silencioso do que nunca.

Kira estava sentada contra a parede, com um cobertor velho sobre os ombros. As feridas em seu rosto começavam a cicatrizar lentamente, mas seus olhos... carregavam algo novo. Algo acordado.

Andrew estava de pé, braços cruzados, observando. Isadora e Camila estavam por perto, e Paulo tentava sintonizar um rádio antigo, frustrado pela falta de sinal.

— Eu me lembro de... pedaços — começou Kira, quebrando o silêncio. — Havia um quarto branco. Sempre branco. Sem janelas. Eu estava presa. Mas não era sozinha... haviam outras crianças. Algumas sumiam. Outras... gritavam até não ter mais voz.

Isadora aproximou-se devagar, sentando ao lado dela.

— Eles fizeram testes com você?

Kira assentiu, os olhos fixos em algo distante.

— Eles nos chamavam de “sementes”. Como se fôssemos... germes de algo maior. Eu só me lembro do nome da cela: Kira-12B.

Andrew se aproximou. O nome causava uma estranha reação nele. Como se aquela palavra puxasse memórias que ele nunca viveu.

— Você se lembra de quem fez isso?

Kira hesitou.

— Havia um homem. Sempre de preto. A pele parecia... sintética. Os olhos... sem alma. Chamavam ele de Senhor Espectro. Ele sorria quando alguém chorava.

Número Seis, encostado na porta, desviou o olhar.

— Eu também o vi. Mas ao contrário dela... eu obedeci.

Todos se viraram para ele. Pela primeira vez, o homem de olhar mecânico parecia... humano.

— Eu fui criado para caçar os outros. Era parte do Projeto Dominus. A diferença é que algo deu errado comigo. Ou certo. Eu sonhei. E nos sonhos... eu era livre.

Andrew o encarou, surpreso.

— Você se lembra do seu nome?

Número Seis olhou para o próprio reflexo na vidraça rachada. A chuva do lado de fora fazia parecer que ele chorava por dentro.

— Sim. Samuel. Meu nome era Samuel.


BASE DO DOMÍNIO — SETOR OMEGA

A cidade vista do alto parecia um circuito prestes a queimar. Torres de transmissão tremiam com oscilações de energia. Estações de controle começaram a falhar. Os drones pairavam em silêncio.

No centro de uma sala escura, Senhor Espectro observava tudo. A máscara negra cobria seu rosto como uma segunda pele. Ao seu lado, cinco oficiais permaneciam imóveis, à espera de ordens.

Ele girou lentamente o anel metálico no dedo. Uma luz vermelha brilhou nos painéis.

— O tempo da dúvida acabou. Ativar Protocolo Final.

— Senhor, isso significa... — hesitou um dos oficiais.

— Significa que a cidade vai gritar. E quando gritar... nós saberemos quem são os acordados.

Botões foram pressionados. Em segundos, zonas da cidade mergulharam em blackout total. O trânsito parou. Hospitais desligaram. Satélites perderam sinal. Em menos de dois minutos, a cidade entrou em colapso.


ESCOLA ABANDONADA — INSTANTES DEPOIS

A luz apagou-se num estalo. O rádio de Paulo emitiu um ruído agudo antes de morrer. O chão tremeu. Sons de explosões vieram da Zona Norte.

— O que está acontecendo?! — gritou Camila, se levantando de súbito.

— Isso não é só um apagão — disse Andrew. — Isso é um ataque.

Samuel ergueu o olhar. Seus olhos cinzentos começaram a brilhar em azul intenso.

— É o Protocolo Final. Espectro começou a caçada. Ele quer forçar os acordados a reagirem. Mostrar-se é morrer... mas se esconder é inútil.

Kira apertou os punhos.

— Ele quer nos queimar... como lixo.

Andrew correu até a entrada, olhando para o horizonte da cidade. Colunas de fumaça já subiam. Sirenes ecoavam. A cidade de São Paulo não era mais uma metrópole. Era um campo de caça.

Foi quando algo apitou em seu bolso. O pequeno aparelho preso à cintura piscava em vermelho.

— Isso... isso é do laboratório — murmurou Andrew.

— O que é? — perguntou Isadora.

Andrew franziu o cenho.

— É um alerta de emergência. Mas vem de um canal que... nem deveria existir.

Antes que pudesse reagir, um raio cortou o céu e atingiu o topo de um edifício próximo. A explosão destruiu as janelas e lançou destroços por todo lado. Uma torre de comunicação foi derrubada.

Todos se abaixaram, exceto Andrew, que ficou paralisado. A vibração que sentia no peito... era familiar.

E então, uma voz surgiu em sua mente. Clara. Familiar.

“Andrew... não tenha medo. Confie em si. Eu estou com você.”

Ele cambaleou para trás.

— O que foi isso? — perguntou Camila.

Samuel avançou dois passos.

— Estão tentando rastreá-lo. Você emitiu energia... eles vão vir por você.

Andrew ergueu os olhos. Por um segundo, viu uma sombra nas nuvens. Uma nave não identificável, flutuando sobre a cidade, camuflada. Apenas ele a viu.

E em uma sala escura, longe dali, o Doutor Jota assistia a tudo pelas câmeras.

— Não... ele não pode enfrentar isso agora.

Girou a chave de segurança.

— Ativar plano de contenção 09. Protejam o alvo Andrew Menning a todo custo.

Um robô-tático saiu de uma cápsula metálica. Uma mensagem piscava na tela:

OBJETIVO: PRESERVAR O PROTOGENE.

Jota recostou-se na cadeira. A voz do Senhor Espectro ainda ecoava em sua mente.

— “Você hesita, velho. Isso vai te destruir.”

E ele, cansado, sussurrou:

— Ele é meu filho... e não vai morrer por sua guerra.

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